sábado, 14 de junho de 2008

Heavy Metal: Revolução feita por tradicionalistas (parte 2)


Há ainda tantos outros exemplos de experimentações que causaram aversão aos bangers. O próprio Metallica, quando lançou o Black Album - o mais bem concebido disco da carreira da banda, uma vez que representou a conciliação entre uma maior acessibilidade e o peso e a agressividade típicos do grupo -, em 1991, dividiu opiniões. Os admiradores de longa data, baseando-se na ótima repercussão mercadológica capitaneada pela famigerada MTV - emissora cuja característica principal é a necessidade mórbida e efêmera de eleger e descartar "superastros" de tempos em tempos de acordo com as suas convicções financeiras -, dizem que o declínio do quarteto da Bay Area começou nessa época. Estes fãs, que reprimem a ousadia ao mesmo tempo em que abraçam a segurança, quase nada têm de revolucionários. Por isso, não conseguem compreender que o Black Album foi um projeto extremamente arrojado, com o objetivo claro de expandir a sua legião de fãs e de, conseqüentemente, popularizar (termo odiado pelos conservadores elitistas) o Heavy Metal. Afinal, ser comercial nem sempre é sinônimo de produzir trabalhos ruins. Ser comercial honestamente é ter a capacidade de modernizar o seu som sem desprezar as suas raízes para, dessa forma, abrir espaço para o Metal na grande mídia, o que é, simultaneamente, o sonho e o pesadelo dos bangers. Quando, apesar da qualidade, determinada banda não consegue uma divulgação e reconhecimento razoáveis nos veículos de comunicação massificados - aqueles mesmos que, desonestamente, tiram onda de imparciais - logo os headbangers se “revoltam” contra essa discriminação. Mas, quando outra banda (como o Metallica, por exemplo) consegue ser valorizada e atinge o estrelato e um relativo sucesso comercial, então os mesmos insurretos torcem o nariz para o grupo em questão. Afinal, o que quer essa parte dos metaleiros?

O Slayer com o South Of Heaven, álbum da maior qualidade que foi criticado quando do seu lançamento apenas por ser menos veloz que o velocíssimo e revolucionário Reign In Blood. O Dream Theater com o “Pop” Falling Into Infinity, o Angra com o “demasiadamente batucado” Holy Land, o Helloween com o “excessivamente experimental” Pink Bubbles Go Ape, o Sepultura com o antropofágico Roots. Todos esses álbuns, apesar de suas qualidades ululantes, sofreram e ainda sofrem grande resistência. O que deixa claro que o importante para grande parte dos fãs não é o fato de uma banda conseguir inovar e se manter relevante, mas sim a sua capacidade de repetir fórmulas prontas que deram certo no passado.

Infelizmente, as intolerâncias supracitadas não são tudo: elas são apenas algumas gotas em um oceano de preconceitos. Ao visitar os paupérrimos fóruns metálicos, que servem para desconstruir a lenda de que a maioria dos headbangers é gente progressista e de idéias arejadas, é fácil perceber preconceitos relativos a especulações acerca da opção sexual de determinados músicos (quem não já ouviu comentários depreciativos sobre a possível homossexualidade do vocalista Andre Matos tão-somente por causa dos seus vocais cristalinos, altos e agudos? E a pejorativa transformação do nome Edguy em Edgay apenas por essa banda cultuar a irreverência e a alegria em suas músicas?), como se o caráter ou a competência profissional desses indivíduos dependesse de suas escolhas pessoais, as quais, numa sociedade que se pretende democrática, devem ser respeitadas e aceitas sem concessões. É a tão comum, ignorante e nociva inversão de valores.

As discriminações acima mencionadas tem como uma de suas causas o culto à seriedade, à sisudez e ao mal humor, perniciosas características que uma grande parte do Heavy Metal absorveu com o passar dos anos. De um tempo pra cá, o Metal tem sido movido por uma necessidade mercadológica de parecer mal, de rejeitar o sentimentalismo diante da racionalidade - como se essa binearidade não fosse altamente preconceituosa e reducionista -, mesmo sendo um dos estilos mais emocionais que já existiram. É por isso, certamente, que até hoje os instrumentistas roboticamente virtuosos e frios são mais valorizados do que aqueles que priorizam o feeling à velocidade, o experimentalismo à mesmice. É também por conta dessa exigência financeira que bandas como Helloween e Gamma Ray, que no início das suas carreiras veneravam o bom humor e até a utopia socialista (lembra-se de Future World?), tiveram que passar por um processo de mecanização com o passar dos anos, o que resultou em discos mais introspectivos e pessimistas e o que, em última instância, jogou no lixo a originalidade ideológica desses grupos (basta comparar a capa antiga do Helloween, a que abre o texto, com a mais recente que está abaixo).

O Heavy Metal nasceu nos subúrbios ingleses e se transformou numa expressão artística de pessoas marginalizadas pela sociedade, oriundos da base da pirâmide social. Hoje, pelo menos no Brasil, é um estilo musical consumido e muitas vezes tocado pela classe média. Como não poderia deixar de ser, esse estrato social transfere para a música todo o seu conservadorismo e seu falso moralismo. Boa parte do público headbanger alimenta uma revolta fútil e localizada, que se expressa apenas no campo emocional. Como seria bom se esse descontentamento oco fosse canalizado para quebrar a inércia dessa classe social.

É por todas as limitações impostas pelos fãs e, conseqüentemente, pelo mercado, que o Metal tem se tornado um estilo excessivamente carrancudo e sem fantasias. As minhas, cultivadas desde os primeiros anos de headbanger, só não enfraquecem por conta de bandas que insistem em desafiar regras e modelos consagrados e por uma minoria verdadeiramente preocupada com os rumos que este fascinante estilo de música e de vida tem tomado. Por sorte, essa minoria é a maioria do headbangers com os quais convivo. Mas é só visitar alguns asquerosos fóruns metálicos espalhados por aí para perceber que o Heavy Metal, gênero musical revolucionário por natureza, tem cada vez mais se tornado objeto de consumo de tradicionalistas da pior espécie.

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