quinta-feira, 12 de junho de 2008

Heavy Metal: Revolução feita por tradicionalistas (parte 1)

O Heavy Metal é, em todas as suas subdivisões, um dos mais preconceituosos e herméticos estilos musicais. São vários os fãs que se acham revolucionários e dotados de senso crítico diferenciado apenas por escutar um estilo tido como marginalizado pelo sistema (denominação genérica típica de posers revolucionários). Claro que a última afirmação tem seu fundo de verdade – basta verificar a programação da mídia musical jabazenta e a paupérrima divulgação de shows do estilo para constatar que o Metal nunca foi um chamariz comercial. Porém, é verdade também que o preconceito e o conservadorismo dentro dessa vertente do Rock se equiparam à discriminação fomentada contra ele. Ou seja, grande parte dos headbangers é hipócrita: combate a intolerância ao mesmo tempo em que a pratica, muitas vezes de forma bem mais radical.

Ao longo dos anos, são vários os exemplos dessa prática perniciosa. O Iron Maiden, maior ícone do Rock pesado depois do Black Sabbath, sofreu ataques tanto da mídia especializada (?) quanto dos fãs mais xiitas quando lançou, em 1986, o hoje clássico Somewhere in Time. Diziam, os arautos da verdade absoluta – que esquecem o caráter extremamente emocional e, portanto, individual da música – que a Donzela estava mais comercial (outra nomenclatura supérflua e genérica que se tornou um escudo para os fãs mais tradicionalistas quando suas bandas preferidas inovam) por usar guitarras sintetizadas e por incluir o teclado de forma mais contundente nas canções. Não compreendiam que a banda procurava uma válvula de escape para, simultaneamente, renovar-se e manter sua essência. Muitos dos que criticavam a banda à época são os mesmos que hoje classificam o álbum supracitado como item obrigatório na discografia básica de qualquer headbanger que se preze.

Outra polêmica carregada pelo grupo até hoje é o guitarrista Janick Gers. Tido pela maioria ortodoxa (e aqui eu me incluo nela) como um instrumentista inferior aos inquestionáveis Dave Murray e Adrian Smith por, em apresentações ao vivo, assassinar solos originalmente compostos pelo último e por, em estúdio, utilizar timbres mais sujos e agressivos do que aqueles consagrados na fase oitentista do grupo, ele é, ainda hoje, o patinho feio do sexteto. Toda essa aversão reside na formação musical de Janick, que é mais calcada no Hard Rock simples do que no Heavy Tradicional. Por isso, essa repulsa deve ser depositada em quem o escolheu para integrar uma banda cujo estilo não combina perfeitamente com a sua concepção musical mais despojada, típica de um Rock ‘n’ Roll descompromissado.

Mais um exemplo explícito do tradicionalismo inerente ao estilo é a incapacidade dos headbangers de aceitar a radical mudança de ares de um dos melhores vocalistas da história, o ex-Helloween Michael Kiske. Após ter deixado a banda alemã em 1993, no qual já tentava incluir a sua nova mentalidade musical, Kiske colocou a sua vontade e a sua liberdade musical acima das conveniências mercadológicas do Heavy Metal. Ousou mais do que uma boa parcela de bandas do estilo, tocando um Pop Rock honesto, oriundo da alma, sem amarras. Por meio de declarações sinceras e, consciente do seu papel como músico, Kiske revelou toda a sua decepção com uma indústria musical dominada pelo capitalismo selvagem, que consagra bandas robóticas e fabricadas e despreza aquelas que valorizam o sentimento e a liberdade artística.

Para Kiske, são raros os fãs que verdadeiramente valorizam a criatividade e que compreendem as suas inovações musicais. Ainda segundo ele, grande parte dos metaleiros é gente de cabeça fechada, que não consegue apreciar outros estilos musicais. Assim, esse extraordinário músico e ser humano reacendeu uma discussão ao mesmo tempo antiga e atual: o que é mais desonesto e comercial? Construir uma carreira sem inovações dentro de um estilo um tanto quanto marginalizado ou ser versátil e passear por estilos diferentes e mais acessíveis? Fico com a primeira opção. Quando uma banda constrói uma carreira respeitável, mas burocrática porque carece de arrojo (como o AC/DC e o Motörhead), ela se acomoda numa base de fãs formada ao longo dos anos que, inevitavelmente, comprará tudo o que a banda lançar, independente da qualidade do trabalho. Além disso, o grupo corre um sério risco de estuprar sua criatividade em nome da segurança financeira, o que a torna engessada e vai de encontro ao propósito de ser músico, ainda mais de Heavy Metal.

Outra banda que causou “indignação” no meio Heavy foi o Metallica, com o lançamento do Load e do Reload. A banda havia mudado não só no quesito musical, mas também na indumentária e no logotipo, que já não transmitia a agressividade de outrora. Os bangers mais afoitos logo os chamaram de traidores e se perguntavam se aquele era mesmo o Metallica que havia concebido a obra-prima Master of Puppets. E era sim. Para falar a verdade, os dois álbuns mencionados são bastante honestos e refletem fielmente o momento conturbado que a banda vivia. Drogas, bebidas, problemas familiares e o sucesso repentino contribuíram para a formação da atmosfera sombria presente nos discos. Musicalmente falando, Load e Reload (que deveriam ser um álbum duplo) são discos pesados, cheios de feeling e mais experimentais. E essa última palavra, junto com a supervalorização da questão estética – que, para muitos, tornou-se mais crucial do que a música em si – incomodou os batedores de cabeça sem causa que não se dão ao trabalho de pensar o Heavy Metal.

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Continua no sábado.

4 comentários:

Fred Fagundes disse...

em outros posts você se queixou do despreparo da mídia ao analisar o metal. fala que a mídia pensa o metal como uma uniformidade, uma coisa só, que não avança, não varia, é sempre a mesma porcaria. ok, legal, eu concordo. mas aí você vai e comete o mesmo erro. estereotipa tudo que é está sob o arcabouço de indie - por acaso são as bandas - que supostamente fazem o mesmo som (segundo você disse que concorda...) - que se entitulam assim?
mas sobre música, é complicado você colocar tudo que é feito atualmente na dita música chamada de indie dessa forma. assim estará cometendo o mesmo erro que a Veja e da mídia gorda faz com o metal.
quanto aos ditos indies (as pessoas), aí é um problema deles. existem também os headbangers, né? se a pessoa quer se estereotipar, azar o dela.
enfim, só falei pra você repensar. nada contra seu blog, muito pelo contrário, achei muito legal. só apontei o que acho contraditório...
abraço.

Guilherme Vasconcelos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Guilherme Vasconcelos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Guilherme Vasconcelos disse...

Fred, eu concordo com tudo o que o Diogo Salles escreveu no que se refere à caracterização musical. Eu acho, assim como ele, que alguns dos nomes mais conhecidos do movimento indie - claro que não dá pra desconsiderar as especificidades de cada banda, mas há traços gerais que unificam o estilo - são muito pobres musicalmente falando. Não é desse tipo de rock, com riffs e melodias sofríveis, que aprendi a gostar.
Portanto, eu concordo, sem tirar nem pôr, com os argumentos musicais que ele utiliza para criticar algumas bandas indies. Em relação aos argumentos estéticos, eu acho que ele exagera e foge da proposta principal, se valendo de termos até preconceituosos e desnecessários.

Ah, concordo quando você diz que há indies e headbangers que se esteriotipam. Há fãs de todos os tipos em qualquer estilo musical. Um dos erros do texto é o de considerar que os adeptos da música indie e emo são os pseudorebeldes e que os fãs do rock tradicional, do heavy metal e do hard rock são o que há de melhor. Não é assim. Esse meu texto que terá a continuação no sábado mostra isso.
Bem, foi erro meu não ressaltar que concordava com o Diogo Salles apenas no que se refere aos aspectos musicais. Valeu pela intervenção. Vou corrigir esse erro.