quinta-feira, 8 de maio de 2008

Nevermore - O nascimento, as características, a obra-prima e algumas curiosidades.



O som de algumas bandas exige um certo recolhimento, uma certa fisiologia e uma certa discoteca. Isto é, não é possível escutá-las distraidamente, em qualquer posição, sem um rico repertório musical e encará-las somente como mais uma simples diversão. Exigem, sobretudo, dedicação exclusiva e um comprometimento prévio do ouvinte, sob a pena de não se compreender completamente a proposta musical exposta e de se fazer interpretações erradas e incompletas porque precipitadas.

O Nevermore é uma dessas bandas e já dava pistas, desde seu início, que moldaria sua música para atingir uma sonoridade mais complexa e sofisticada. Quando a gravadora do Sanctuary, no final dos anos oitenta, começou a pressionar a banda para que ela mudasse seu direcionamento musical, abandonando o Heavy Metal e abraçando o Grunge (estilo que, na época, era o queridinho da mídia), o vocalista Warrel Dane e o baixista Jim Shepperd decidiram abandonar o grupo. Nesse instante, já era possível prever que onde quer que esses dois colocassem suas idéias, nasceria uma grande banda. Assim, após o recrutamento do baterista Van Williams e do guitarrista Jeff Loomis, nasceu o Nevermore.


O som dessa banda de Seattle é um Thrash Metal intrincado que passeia por andamentos acelerados e lentos, com influências de Black Sabbath e com pitadas de progressividade. Além disso, seus álbuns sempre apresentam uma atmosfera sombria, melancólica, sorumbática e tétrica. As letras, outro trunfo do grupo, freqüentemente versam a respeito do lado negro e macabro da personalidade humana. Desvios de caráter, ganância, egoísmo, angústias existenciais, desejos mórbidos, insanidade, religião, política e mídia são alguns dos principais temas abordados com um quê sociológico pelo crítico e reflexivo letrista Warrel Dane, que é formado em Teologia e em Sociologia.

Essa intelectualidade acadêmica, contudo, não traz apenas benefícios. Apesar de contribuir decisivamente para a composição de letras inteligentes e diferenciadas, ela, em alguns momentos, chega a imobilizar Dane. Explico: na ânsia de conceber canções herméticas por excelência e de demonstrar todo o seu potencial intelectual, o vocalista, às vezes, escorrega e cria letras prolixas e hiperbólicas que, quer queira quer não, alongam em demasia determinadas composições. Isso, felizmente, é uma exceção. Na maioria das vezes, essa particularidade só enriquece a música do Nevermore.

É o que acontece em Dreaming Neon Black, álbum em análise. Nele, todas as características positivas supracitadas dão as caras. Esse disco, lançado em 99 e tido até hoje como uma das obras-primas do grupo ao lado de Dead Heart In a Dead World de 2000, é conceitual e conta a história da gradual decadência de um homem rumo à loucura depois de ter perdido a sua namorada para uma seita religiosa que pregava o uso de drogas pesadas. Curiosamente, essa história é baseada em um episódio verídico e o homem e a mulher nele envolvidos foram Warrel Dane e sua ex-namorada, que, depois do envolvimento com a tal seita, nunca mais foi vista.



A bela capa do álbum, inspirada nos pesadelos do vocalista em que sua ex-namorada o chamava enquanto se afogava, e a arte gráfica do encarte já deixam bem claro o que ouvinte encontrará ao apertar play: um clima asfixiante e angustiante em razão da grande quantidade de músicas soturnas que compõem Dreaming Neon Black. Tais canções – como, por exemplo, a faixa-título, The Death of Passion, The Lotus Eaters, All Play Dead, No More Will, Cenotaph e Forever, balada depressiva de beleza ímpar – se caracterizam, basicamente, pelas vocalizações ecoantes, pela sobreposição de vozes que exploram toda a extensão vocal de Dane e pelos andamentos arrastados e melancólicos.

Há, entretanto, outras canções que não seguem completamente esse modelo de formatação musical. Beyond Within, Deconstruction e Poison Godmachine, que têm, respectivamente, o refrão mais poderoso, a melhor a mais pessimista letra e o melhor riff de guitarra, notabilizam-se também pelos instrumentais meticulosamente trabalhados que destacam não só a força e a solidez das bases construídas por Jim Sheppard e Van Williams, mas também o peso e a distorção das guitarras de Jeff Loomis e Tim Calvert.

Individualmente, o principal destaque é Warrel Dane, o coração e o cérebro da banda. Além de ter escrito todas as letras de Dreaming Neon Black e de ter idealizado o seu conceito, ele não se limita a cantar com uma técnica e sensibilidade impecáveis, mas também interpreta e transmite um feeling fora do comum, passando ao ouvinte toda a angústia e sofrimento do eu-lírico a partir das variações que impõe à sua voz.

Dreaming Neon Black é, sobretudo, um CD bastante coeso e harmônico, isto é, suas faixas se complementam. Não há, aqui, uma composição sequer descartável, rasa, superficial, direta e deslocada. Há, sim, música complexas que pedem uma disposição à contemplação. Aliás, essa é, na verdade, uma condição básica para se ouvir qualquer álbum do quinteto estadunidense, e não apenas o Dreaming Neon Black.

Para os que buscam prazer instantâneo, recomenda-se distância. Para os que estão dispostos a mergulhar no mundo do Nevermore e a explorar essa recompensadora jornada musical, Warrel Dane dá as boas-vindas: "welcome to the fall".

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CURIOSIDADES


Desde o lançamento do seu primeiro full length em 95 pela Century Media, uma das maiores gravadoras de rock pesado do mundo, o grupo obteve reconhecimento do público e recebeu críticas positivas da mídia especializada. Entretanto, esse relativo sucesso não foi suficiente para garantir a independência financeira dos músicos, que só recentemente, depois de 13 anos de carreira, passaram a viver exclusivamente da música.

Antes, precisavam de um ganha-pão para se sustentar. O vocalista e líder Warrel Dane e o baixista Jim Sheppard atuavam como chefes de cozinha. O guitarrista Jeff Loomis trabalhava no mesmo restaurante que os dois companheiros e também acabou aprendendo a cozinhar. O baterista Van Williams, por sua vez, era designer gráfico da multinacional japonesa Nintendo em Seattle.

Em entrevista ao portal Terra, Dane declarou: "Finalmente estou podendo viver da minha música, que é o que eu sempre quis. Passei dez anos me dividindo em dois empregos para chegar até aqui. Muitos param antes disso. Diria que uns 95% desistem depois de tanto tempo tentando. Mas eu amo tocar e foi essa dificuldade que me estimulou". Bem humorado, o vocalista finaliza: "Cozinhar é muito bom. Vou lhe dar uma dica: se você fizer um jantar para uma mulher, com certeza ela irá para a cama com você. Comigo sempre deu certo".

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